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7 DE SETEMBRO



Estávamos na Semana da Pátria e, como em todos os anos, a ditadura comemorava o dia 7 de Setembro com desfiles militares e forte esquema de segurança, procurando passar à população a ideia de que o conceito de pátria se confundia com a própria ditadura.


Em Ribeirão Preto, decidimos comemorar o Dia da Pátria a nosso modo.


O palanque para o desfile já estava armado na Avenida Independência. A ALN decidiu colocar ali bombas incendiárias para que ele fosse queimado antes do amanhecer, poucas horas antes do evento para evitar vítimas. Estávamos seguros de que a comemoração da ditadura seria forçosamente cancelada.


Dessa forma, faríamos valer a comemoração da guerrilha, pois nós éramos os verdadeiros patriotas e não aqueles que louvavam o país com desfiles de exibição de armamentos, enquanto entregavam a pátria aos interesses norte-americanos.


Nosso grupo de fogo passou a fazer, então, o levantamento do local da ação. Percorremos por várias vezes a Avenida Independência e as ruas vizinhas, definimos o trajeto, a colocação das bombas e nossa retirada do local.

Já madrugada, no fundo da casa de Claudinei, na Rua Sete de Setembro, 889, confeccionamos as bombas e eu me esmerei em prepará-las com os demais companheiros.


Os dois elementos químicos utilizados para a confecção das bombas não podiam aproximar-se, pois isso causaria a combustão, o que requeria excessivo cuidado na preparação dos artefatos, pois não podiam se acercar os dois companheiros que os manipulavam.


Assim foram as bombas preparadas nos recipientes vazios de duas “laranjinhas” – um refrigerante conhecido na época, com sabor artificial de laranja, cujo frasco de plástico tinha o formato daquela fruta em tamanho maior.


As duas bombas eram suficientes para destruir o palanque.


Encarregado de definir o tempo para a explosão, tive o cuidado de aumentá-lo o máximo possível, pois nunca era exato, mas pude garantir aos companheiros que havia uma margem segura de, pelo menos, uma hora, antes que elas estourassem.


Subimos no carro, Claudinei ao volante, Russo e eu levando às mãos uma bomba cada um, e saímos em direção ao palanque.


Ao aproximarmo-nos do local, um imprevisto nos esperava.


Dois soldados da Polícia Militar faziam guarda em frente ao palanque sem se moverem. Rapidamente, percebemos que seria impossível realizar a ação com a presença deles.


Tínhamos armamento suficiente, superioridade numérica e o fator surpresa do nosso lado, o que me fez propor, com o apoio de Russo, que deveríamos colocar capuzes, dominar os soldados, amarrá-los e realizar a operação.


Claudinei, o comandante da ação, vetou a proposta e alegou, com justa razão, que iríamos realizar a ação em seu carro, um JK vermelho, que seria fácil de identificar já que havia apenas três ou quatro modelos desse tipo em toda a cidade, embora os números da placa estivessem alterados.


Decidiu-se, assim, que nós deveríamos procurar outro local, o mais próximo possível, para realizar o atentado e atingirmos um alvo que simbolizasse a ditadura ou o imperialismo norte-americano.


Começamos, então, a rodar pelo centro da cidade com as bombas no carro, em busca de outro local para efetuar a ação revolucionária.


Ao passarmos pela esquina das Ruas Marcondes Salgado e Duque de Caxias, onde se localizava a Delegacia Regional de Polícia, pensamos em colocar as bombas em viaturas lá estacionadas, o que foi impossível devido à permanência de policiais no local.


Voltamos a circular perto do palanque, mas a situação persistia, com os dois policiais lá postados e, ao que parecia, sem a menor intenção de se afastarem.


Enquanto isso, o tempo corria e eu alertei os companheiros de que não dispúnhamos de mais que vinte minutos para permanecermos com as bombas no automóvel sem o risco de virar churrasco. Naquele instante, tive a ideia: “Coca-Cola”.


Na verdade, a empresa que fabricava o refrigerante, símbolo do capitalismo norte-americano, situava-se perto da Avenida Francisco Junqueira, a algumas quadras dali.


Todos de acordo, rumamos para o local e, depois de um breve levantamento, pouco criterioso em face da premência do tempo que corria contra nós, saltei o muro da Coca-Cola, pela Rua Deolinda, com Russo fazendo proteção armada do lado de fora, enquanto Claudinei permanecia no volante. Já no pátio interno da empresa, coloquei as duas bombas, uma embaixo de cada caminhão.


Retiramo-nos do local quando já amanhecia e nos recolhemos para dormir um pouco e aguardar pelo resultado da ação, que seria o sinal da presença da guerrilha nas comemorações do Dia da Pátria em Ribeirão Preto.


Nas primeiras horas da manhã do dia 7 de Setembro, a primeira bomba entra em combustão e inicia um incêndio em um dos caminhões, enquanto são chamados os bombeiros e a polícia.


De plantão estava o delegado Vlamir Pupo, que nunca se envolveu com a repressão política, mas que compareceu ao local em virtude de ser o plantonista.


Talvez animado com a possibilidade de se promover diante do fato, tomou a segunda bomba em suas mãos, colocou-a em seu carro, um Karman Ghia, veículo de pequeno porte que estava na moda naquela época, e propôs-se a levar o artefato explosivo para a delegacia.

Eu havia programado para que a segunda bomba explodisse mais ou menos meia hora depois da primeira. O delegado, de maneira imprudente, acreditou que ela tivesse falhado, levando-a ao plantão policial.


Ao chegar à delegacia, Vlamir colocou o artefato em sua mesa e deixou a sala por alguns minutos para chamar outras pessoas que o ajudassem a desmontá-lo.


Nesse ínterim, a bomba entrou em combustão e iniciou um princípio de incêndio que foi logo debelado, mas que completou nossa comemoração do Dia da Pátria. Na verdade, o delegado fez o que, para nós, teria sido praticamente impossível: levar a bomba para estourar dentro da delegacia de polícia.

Trecho do Livro Tempo de Resistência 12ª. Edição de Leopoldo Paulino


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