Huérfanos com Peatones
- Leopoldo Paulino

- 25 de nov. de 2021
- 2 min de leitura
Em 1970 eu morava no Chile, pais em que me refugiara para escapar das garras da ditadura militar no Brasil.
Foi um ano em que milhares de brasileiros deixaram a terra natal, devido ao crescimento da repressão do regime ditatorial em nosso país.
Em agosto daquele ano Mário também chegou ao Chile. Era líder estudantil no Rio Grande do Sul e, procurado pela repressão, conseguiu furar o cerco armado contra ele e cruzou a fronteira por Uruguaiana, de onde chegou a Chile viajando de ônibus.
Mário era militante da AP (Ação Popular) e sua militância o naquela organização clandestina já era conhecida pela repressão, o que fez com que ele apressasse sua saída.
Eu o conheci no país andino, onde os integrantes da colônia brasileira lá existente sempre se encontravam pelos mais diversos motivos.
Certo dia cruzei com Mário no Café Haiti, localizado no centro da cidade, tradicional ponto de encontro dos exilados brasileiros.
Ao ver-me, Mário disse que havia marcado um “ponto” (local de encontro entre revolucionários) com um camarada de sua organização recém-chegado ao país, aguardando por 10 minutos, tempo máximo recomendado para aquele tipo de espera e o companheiro não apareceu.
Perguntei-lhe onde havia sido marcado o ponto e ele me respondeu: “No Centro, perto daqui, na esquina das Ruas Huérfanos com Peatones”.
Não contive minha risada. Novato no país, ele não sabia o significado da palavra “peatones” e imaginou tratar-se de uma rua e não de uma placa avisando que aquele trecho da via pública era destinado apenas para pedestres.
Esclareci o companheiro e ambos rimos muito, sobretudo imaginando que o camarada que foi “cobrir o ponto” deve ter ficado procurando o local no centro de Santiago, certamente pedindo informações às pessoas, com as dificuldades decorrentes de não falar espanhol.
Essa história rapidamente circulou entre os brasileiros exilados no Chile e passou a ser mais uma das muitas que contam nossa forçada passagem fora da pátria, “Levando pedras como penitentes”, no dizer de Chico Buarque.









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