Lamano e a Fisioterapeuta
- Leopoldo Paulino

- 16 de jan. de 2022
- 2 min de leitura

Anos 80.
Eu havia voltado do exílio e morava de novo em Ribeirão Preto.
Vez ou outra minhas práticas esportivas sempre contínuas me ocasionam algum tipo de lesão física e devido a um estiramento na panturrilha esquerda procurei tratamento em uma clínica de fisioterapia, localizada no bairro Alto da Boa Vista.
Na recepção uma simpática secretária me atendeu, conduzindo-me ao interior do prédio, onde me apresentou a uma profissional do ramo que ficaria encarregada do meu caso.
Após a segunda sessão na clínica, comecei a sentir uma leve recuperação no músculo ofendido, o que me fez prosseguir com o atendimento, ansioso que estava para voltar às pistas.
Praticante de corrida até os dias de hoje, sempre me entristece ter que suspender temporariamente o esporte, o que ocorreu naquela oportunidade, pois em uma competição exigi de meus músculos um pouco mais do que eles permitiam.
Animado com a melhora compareci à sessão seguinte e dirigindo-me à maca para o atendimento passei por um senhor que lá se tratava, sentindo um certo mal-estar com aquela presença.
Sorridente Fernanda me atendeu, perguntando por eventual melhora e explicando o tipo de trabalho que iria fazer em minha perna naquele dia.
Antes que começasse perguntei-lhe se ela sabia o nome da pessoa que me causara aquele inexplicável incômodo.
De imediato a moça respondeu que se tratava do Sr. Miguel, a quem ela também prestava atendimento profissional.
Senti um arrepio.
Os anos haviam se passado, mas minha intuição dizia que algum sentimento ruim emanava daquela pessoa e perguntei a Fernanda:
- Você sabe o sobrenome dele? Pareceu-me um conhecido da família que não vejo há muito tempo.
- Não sei, mas vou ver a ficha dele e te falo, respondeu-me a fisioterapeuta:
Ela saiu da sala e logo voltou com a informação:
- O nome dele é Miguel Lamano.
Por alguns segundos fiquei sem reação, mas em seguida me recompus e disse:
- Esse homem é um torturador! Há mais de 20 anos, em 1969, ele foi um dos agentes da ditadura militar em Ribeirão Preto que cometeram as piores violências contra os presos políticos, tais como pau-de-arara, choques elétricos, pancadas, afogamentos, torturas psicológicas e sexuais.
E prossegui:
- Na época Madre Maurina Borges, freira diretora do Lar Santana chegou a ser estuprada por esses bandidos em nossa cidade, o que fez com que Lamano e o delegado Renato Ribeiro Soares fossem excomungados pelo arcebispo de Ribeirão Preto.
Fernanda engoliu em seco e seus olhos cresceram, como se estivesse assistindo a um filme de terror.
Voltando ao momento que vivia, ela me disse com firmeza:
- “A partir de hoje eu me recuso a atender esse monstro.”
Leopoldo Paulino







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